GRANDES TEORIAS DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA - Modernidade e as principais teorias de negação do sentido histórico


INTRODUÇÃO

A História da Filosofia, possui sua maior expressão e consolidação na filosofia principalmente na modernidade, tendo sido o filosofo francês do século XVIII Voltaire o primeiro a utilizar-se deste termo para expressar a reflexão em torno do sentido e do telos do conjunto de fatos que agregados e comprovados chamamos de história. Contudo, mesmo o termo História da Filosofia tendo surgido na modernidade, a discursão, de forma direta ou indireta, já fora tratada por filósofos tanto clássicos, quanto medievais. No medievo, por exemplo, a história ligava-se a providencia divina, no qual Deus, autor e princípios de toda a realidade, delineava o percurso da história mantendo-se sempre em constante ligação com a sua criação. Na modernidade, período de grande secularização e laicização, há-se uma nova interpretação da História, a partir do itinerário dos indivíduos e da sua expressão vivencial, gerando uma vasta produção teórica dos principais filósofos desse período, como Kant, Herder, Comte, Hegel, Marx.

 

GRANDES TEORIAS DA MODERNIDADE

            Para Immanuel Kant (1724-1804), a reflexão em torno da história constitui-se a partir da progressão cultural da espécie humana no itinerário de sempre buscar o melhor para a sua espécie, fato este que é tanto inevitável quanto necessário para os homens. Além disso, o avanço da história acontece mediante um fio que conduz de forma a priori, a via obscura e contraditória dos fatos históricos. Para Kant, o progresso da história não poderia acontecer pelo desenvolvimento das qualidades e prerrogativas humanas (dúbias), pois a conduta humana mostra-se em seu conjunto entretecida “de grande tolice”. Na filosofia kantiana, é por causa do propósito da natureza, no seu “plano obscuro”, que a humanidade realizaria grandes revoluções, seguindo o “protocolo” da natureza, não tendo consciência de estar trabalhando para isso. Contudo, o que é realmente importante não é a revolução da natureza em si, mas o efeito dela sobre o homem, gerando uma disposição moral da espécie humana, para que este possam construir a sua moralidade.

Na filosofia de Johann Gottfried Herder (1744-1803), o enfoque dos “Espíritos dos povos” e a convicção de que a história da humanidade possui uma racionalidade própria, constituem os elementos basilares de sua reflexão da história. Na sua juventude ele se interrogava a respeito de uma questão essencial: “se a natureza tem a sua filosofia, a sua ciência e a sua racionalidade, então também aquilo que nos interessa e nos atinge mais diretamente, ou seja, a história da humanidade, deve ter uma filosofia, uma ciência e uma racionalidade próprias”. Para Herder os “Espíritos dos povos” realizam a sua história mediante a racionalidade e o sentido da história, através dos quais se manifesta uma bondade divina e orientadora à qual os desígnios humanos devem, em última análise, submeter-se. Sendo assim, a própria revolução da humanidade se distribui e acontece por fases, onde os povos em sua individualidade, os fatos locais, as produções culturais de cada nação, ao se entrelaçarem em determinadas épocas e situações, dão forma ao progresso e injetam sentido no curso dos acontecimentos históricos.

A filosofia histórica de Auguste Comte (1798-1857), baseia-se a partir de sua teoria geral do positivismo, proporcionando uma visão místico-religiosa que põe em seu centro o culto à humanidade (o “Grande Ser”). Na principal obra Curso de filosofia positiva (1830-1842), ele analisa a situação histórica, política e econômica de sua época, mas, ao longo desta analise ele percebe que diagnóstico é extremamente negativo. Entre os principais problemas da humanidade ele destaca a desordem e anarquia da época, advinda de duas correntes partidárias opostas, a revolucionária e a conservadora, que buscavam em vão impor uma nova e mais equilibrada estrutura social, privilegiando ora a mudança e o progresso social ora a defesa da ordem. O fracasso de ambas deve-se à ausência de princípios metódicos e, sobretudo, ao dogmatismo e ao absolutismo que caracterizam as suas posições. É necessário, pois, que a filosofia teológico-metafísica e a política da época sejam substituídas por uma filosofia científica ou positivista. Destarte, a sua reflexão em torno da Filosofia da História, tem como propósito investigar a evolução histórica da humanidade, a fim de individuar as leis que a orientam rumo a um objetivo final. A dedução da “grande lei” – que domina todos os ramos da civilização ocidental e dirige “a evolução do conhecimento humano em todas as suas esferas de atividade” – é o resultado dessa investigação.

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), expressas sobretudo nos livros O que é a propriedade (1840) e Sistema das contradições econômicas ou filosofia da miséria (1846). Dois são os pontos centrais do seu pensamento: a ambígua concepção de propriedade como “roubo” e “liberdade” e a profunda rejeição de qualquer explicação divina e providencialista da história humana. Quanto ao primeiro, a contradição se dissolve diante da distinção entre o aspecto originário e ineliminável da propriedade, vale dizer, a posse dos meios de produção e o resultado do seu exercício, ou seja, a efetivação de um sistema no qual a propriedade desses meios se concentra em poucas pessoas, o trabalho se transforma em alienação e a propriedade (a posse) se torna renda parasitária, fonte de sujeição e desigualdade.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), delineia a sua filosofia da história a partir da sua fenomenologia do espírito, engajado na construção de uma “ciência da experiência da consciência”. A partir da reflexão sobre os eventos históricos, políticos e sociais de sua época (a Revolução Francesa, a Restauração e o domínio napoleônico sobre a Europa), são examinadas e descritas as etapas da constituição e do desenvolvimento da consciência natural, desde os seus graus mais imediatos e simples até o pleno reconhecimento do espírito absoluto, ou seja, a superação das cisões e a extraordinária síntese das verdades de todos os saberes precedentes (filosóficos, históricos, científicos, artísticos). Na natureza, momento precedente e inferior ao espírito (o homem e suas atividades), não há desenvolvimento nem progresso. História e historicidade são privilégios do espírito. No entanto, elas estão ainda ausentes no primeiro grau da sua articulação, ou seja, no “espírito subjetivo” que corresponde à posição do homem enquanto indivíduo. Apenas no apogeu da fase sucessiva, na qual o homem é considerado em suas relações familiares, sociais e políticas (o “espírito objetivo”), é que se torna possível uma filosofia da história que explique e oriente o curso dos acontecimentos humanos. Além disso, o papel do Estado moderno representa a única instituição capaz de realizar a plena liberdade dos indivíduos e de lhes confiar um destino, uma tarefa, uma finalidade universal cujo desdobramento se dá na história política. O Estado exprime o “espírito do povo”, que, historicamente, a cada vez, dá-lhe forma. Nesse sentido, a filosofia da história pode dedicar-se apenas aos povos que, ao longo dos séculos, representaram um momento fundamental do progresso da humanidade regido por uma rigorosa lei de sucessão ideal: cada fase é realizada por um determinado povo que, uma vez esgotada a sua tarefa, fica relegado às margens do desenvolvimento sucessivo, cuja frente é tomada por um povo diferente e assim por diante.

Karl Marx (1818-83), propõe os elementos essenciais da filosofia da história com base na necessidade de uma ruptura revolucionária da humanidade contra a tirania dos grandes detentores de capital,  gerando um novo começo no curso dos acontecimentos humanos e tendo como seu próprio fim e sentido o advento de uma sociedade sem conflitos, justa, pacificada e livre. Marx destaca que as lutas entre classes constituem o grande acontecimento que delineia a própria história, onde estes grupos e classes sociais em suas determinadas fases do desenvolvimento histórico, buscam a sua própria produção econômica. Essa busca de capital, Marx define como “materialismo histórico”, onde a ideia de que as realizações “espirituais” do homem (política, religião, arte, filosofia etc.) seriam determinadas pelos modos de produção da vida material ou, em outros termos, pelas estruturas econômicas das diversas formações sociais em conflito.

 

A NEGAÇÃO DO SENTIDO HISTÓRICO

            Depois da vasta produção teórica da filosofia da história na modernidade, surgem entre os séculos XIX e XX, duras críticas relacionadas as abordagens levantadas. Isso porque os críticos não acreditavam na veracidade e no sentido de uma finalidade (telos) e de uma progressão histórica, partindo da antítese que estas teorias suprimiam a liberdade humana e não dava enfoque de forma direta na expressão do espirito humano, em outras palavras, as teorias ditavam um cosmo de obrigações para o indivíduo histórico já determinados, mas não possibilitava o indivíduo na sua integridade construir o seu aval histórico mediante a sua própria progressão. Entre os principais críticos, destacam: Schopenhauer, Rensi, Caraco e Cioran.

Arthur Schopenhauer (1788-1860), na sua crítica contra a filosofia kantiana, afirma que a coisa em si, o noumeno, não é um conceito-limite incognoscível, mas o fundamento cego, irracional, unitário dos fenômenos, do mundo da representação, ou seja, do universo humano, com as suas ações, desejos, acontecimentos etc. Para Schopenhauer, o curso histórico é apenas a incessante repetição de um destino nefasto, ou seja, do mecanismo de carência, necessidade, desejo e tédio que governam a vontade. A história universal da espécie humana nada mais é do que a “forma casual” assumida pela manifestação da vontade à qual fatos e ações são absolutamente irrelevantes, estranhos e indiferentes, assim como o são as figuras que se desenham no céu às nuvens e a forma dos sorvedouros e das espumas ao rio.

O filosofo italiano Giuseppe Rensi (1871-1941), afirma que a história possui grandes influências de um ceticismo (declaração da impossibilidade do conhecimento) e de um pessimismo (afirmação de um conhecimento da realidade). Para Rensi, a realidade é irracional e absurda e, portanto, incompreensível, deriva, naturalmente, fundindo-se com ela, a constatação pessimista. A história não tem sentido, tampouco a humanidade marcha rumo a algum tipo de aperfeiçoamento. No caso da concepção clássica de um desenvolvimento linear e progressivo o filósofo alemão Oswald Spengler (1880-1936) substitui uma visão biológica da história. O mundo do devir temporal se mostra mediante fenômenos singulares e irrepetíveis cuja trama dá vida a uma “morfologia” que reproduz a ciclicidade do organismo humano, a realização de seu ritmo de nascimento, decadência e morte. Não há fim ou progresso; apenas uma sucessão de estruturas sociais, políticas e culturais que, uma vez exaurido o seu próprio ciclo vital, desaparecem sem deixar nenhum tipo de legado.

Já para o filosofo istambulês Albert Caraco (1919-71), existe uma espécie de pessimismo metafísico na conjuntura da compreensão histórica, no qual o “universo do ser e da história” imperam a indiferença, o caos e o absurdo. Não existe um plano providencial que governa o curso dos acontecimentos histórico-políticos. O que há é o domínio da maldade e do nada, o “sonho de uma inteligência cega” ou o “jogo de um princípio sem moral” em que multidões de sonâmbulos, sob o encantamento de seus sedutores espirituais e o jugo de seus senhores, dirigem-se com passo uniforme para a catástrofe.

O filosofo Emil Cioran (1911-95), não aceita que quaisquer pretensões de evocar ou atribuir um sentido aos acontecimentos humanos na história. Para ele, os sistemas históricos da modernidade nada mais são, em sua essência, do que versões camufladas da concepção teológico-providencial da história. Cioran afirma que não há uma espécie de “devir histórico”, no qual a sua característica fundamental é injetar uma finalidade, uma natureza própria, um objetivo àquilo que, em si, delineia-se tão somente como o domínio do absurdo, do acaso, do insensato. Na realidade, a história se desenvolve sem nenhum motivo, regida por uma “potência tenebrosa e irônica”, “maléfica”, que, com “obstinação e método”, não guia as civilizações rumo aos fins planejados ou esperados, mas as conduz na direção oposta, precipitando-as nos abismos.

 

CONCLUSÃO

            Dentre o vasto percurso da própria história, delinear os seus sentidos e o seu fim é tão somente um jeito de conformar a incerteza do futuro e responder a curiosidade humana. Não se pode negar que dados os fatos que hoje vivemos, são frutos de ações e acontecimentos passados que ajudaram e contribuíram para a nossa civilização. Mesmo em meio as guerras e catástrofes, os indivíduos souberam abstrair para si a consciência da maledicência e do poder do próprio homem possui, ou acha que pode ter. No fim das contas, o intuito das várias concepções da filosofia da história é apenas constar que o indivíduo vincula-se com uma história e produz a sua própria história, mediante seus atos. Mesmo alguns filósofos não acreditando nisto, o fato deles desenvolverem uma complexa e profunda reflexão na busca de compreender a história já os lança a perpetuarem-se na história. A nos questionarmos qual é o sentido da história, esta inquirição se responde pelo ato de viver, digo como reflexão própria, pois se hoje vivemos é por causa de um aglomerado de acontecimentos que chamamos de história que nos fizeram questionarmos o seu sentido. 

REFERÊNCIAS

PECORARO, Rossano. Filosofia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. 8ª ed. v. 2. São Paulo: Paulus, 2007.


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