ONTOLOGIA E EXISTENCIALISMO - Heidegger e a compreensão do sentido do ser

 

INTRODUÇÃO

Heidegger desenvolve uma filosofia embasada na compreensão do ser a partir do sentido da sua existência, unificando ontologia e existencialismo. Mesmo sendo discípulo de Husserl, e declarando-se fenomenológico, as suas elucidações teoréticas não restringe o ser apenas a categoria de objeto observável, mas como próprio caminho de autoconhecer-se. Nesse sentido, o homem para Heidegger é ente que busca o sentido do seu ser, na medida que busca dar sentido a sua própria existência. Ele define o indivíduo como um ser-aí, ou Dasein, que projeta-se no mundo e define as suas relações com os outros e com o mundo, por isso o homem é um ser-com-os-outros e um ser-no-mundo. Este mundo, torna-se mero “utensílio” da projeção do homem, mas essa projeção não é ser, e sim um poder-ser da existência, que possibilita a progressão da vida e as reações com os outros. Contudo, outro elemento instransponível do ser é a morte, que leva o homem a um não-ser, e aniquila a existência, podendo levar o homem ao sentimento de angústia ou de conformidade com a vida.

HEIDDEGER, DÍSCIPULO DE HUSSERL

GHDI - Print Document Principal expoente do existencialismo na contemporaneidade, Martin Heidegger (1889-1976) foi um dos mais importantes filósofos do século XX, desenvolvendo uma filosofia baseada na ideia de que o ser humano busca aquilo que não é, na medida que ao longo de sua vida, seus projetos podem ser barrados pelas pressões e pelo cotidiano, levando a isolar-se em si mesmo. Heidegger declara que o seu método de estudo é a fenomenologia, traços dos ensinamentos de seu professor Edmund Husserl (1859-1938), contudo, este método apenas ajudou-lhe a compreender questões internas e vivenciais do ser, enquanto elemento ontológico e como um ser-no-mundo e um ser-com-os-outros, desenvolvendo o existencialismo enquanto doutrina ontológica que busca determinar o sentido do ser. Heidegger nasceu em Messkirch, cidade no qual também iniciou seus estudos de teologia e filosofia, formando-se em 1914. Aluno e assistente de Husserl, seguiu o seu mestre até Friburgo, que fora chamado para ocupar a cátedra de filosofia na Universidade de Marburgo. Em 1929, Heidegger sucede o seu mestre na cátedra de Filosofia, no qual tratou na sua aula inaugural sobre a origem e concepções da metafísica. Em meados de 1927, lança uma de suas mais importantes obras, Ser e tempo, dedicando-a ao seu antigo professor Husserl. Esta obra compreende-se como a analítica existencial daquele ente que se propõe a descobrir o sentido do ser. No ano de 1933, Heidegger adere ao nazismo e torna-se reitor da Universidade de Friburgo, cargo que permanecera poucos anos após pedir demissão. Faleceu 26 de maio de 1976.

 

DASEIN, UM SER-AÍ

            Na sua obra Ser e tempo, Heidegger busca elaborar de forma concreta o problema do sentido do ser, através da evidenciação das pretensões desse mesmo ser, compreendendo o seu sentido e o caminho autêntico que possibilita acesso a esse ente. Esse será possível através da sua analítica existencial, que consiste na elaboração do problema do ser, tornando-o transparente para o ente, colocando-se no seu próprio ser. Nesse sentido, o homem define-se como um ente que busca encontrar o sentido do ser. Deve-se compreender o sentido metafísico do ser e do ente, visto que o próprio Heidegger estabelece uma determinação própria para estes conceitos. Em linhas gerais, os termos Ser e Ente, já foram tratados pelos clássicos, mas a partir da evolução da filosofia os mesmos receberam atributos próprios das escolas e dos períodos filosóficos. O ser define-se como a essência de algo que o faz ser este e não outra coisa (princípio lógico da identidade e da não contradição); o ente compreende-se como a própria coisa em sua composição, em seus atributos próprios, é o ser sendo, no qual Heidegger definirá como o Ser-aí, ou Dasein. Este Ser-aí compreende o fato de que o homem está sempre em situação, lançando nela e em relação ativa com ela, sendo o modo de sua própria existência. Portanto, a essência do Desein consiste na própria existência, não enquanto particularidade de um ser, mas como atributo a todos os seres lançados no mundo. Reale cita Heidegger, no qual afirma que:

 

O ser-aí não é simples presença que, acessoriamente, tenha o requisito de poder alguma coisa, mas, ao contrário, é primeiramente um ser-possível. O ser-aí é sempre aquilo que pode ser. [...] o essencial ser-possível do ser-ai envolve as modalidades já caracterizadas pelo cuidar do ‘mundo”, pelo cuidar dos Outros[...] (2007, p. 583).

           

            O homem, portanto, é aquele ente que se interroga sobre o sentido do seus próprio ser, [2]não podendo se reduzir a mero objeto de observação,  mas compreendendo a sua própria existência através do ser. A experiência humana não é ser, mas um poder-se, ou seja projeção do ser no mundo, nesse sentido, o intuito de Heidegger é compreender a partir da autorreflexão do ser o próprio ser existente. A partir disso, deve-se compreender a essência da existência, que possibilita o ente autoquestionar-se ontologicamente. A essência da existência, portanto, é dada pela possibilidade existencial, que não possibilidade lógica, mas possibilidade a atuar em si e para si, podendo o homem se conquistar ou se perder. Nesse sentido, o ser-aí consiste no ente que redunda do seu ser, decidindo a sua existência, através da posse ou ruína de si, por causa do ser-aí individual. De forma mais clara, este ser-aí refere-se ao individuo que busca o sentido do seu ser e compreender que este ser é sempre possibilidade de existir, atuar e/ou arruinar-se.

 

EXISTÊNCIA: O SER NO MUNDO, COM OS OUTROS E PARA A MORTE

            Visto que a experiência do homem não é ser, mas um poder-ser, Heidegger infere que a existência é essencialmente transcendência e esta implica projeção do homem ao mundo, ou seja, o mundo torna-se um utensílio para o comportamento humano, no qual ele chamará de ser-no-mundo. Este ser encontra existência na medida que é um poder-ser no mundo, ou seja, projeção, no qual o mundo é apenas instrumento da projeção do homem através de suas ações e de seu possível comportamento, que para Heidegger refere-se a própria liberdade. Contudo, na medida que todo projeto induz liberdade, este mesmo projeto torna-se limite de acordo com os utensílios que é o mundo. Portanto, a existência do homem é possível mediante ao mundo, como afirma Roehe:

 

Para Heidegger, a descrição fundamental do ser humano é como ser-no-mundo, ou seja, não há dualismo, polaridade ou oposição entre homem e mundo: ser-homem é indissociável do mundo. O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo é a condição primeira para o entendimento do ser do homem (2014, p. 107).

 

            Além disso, a experiência no mundo também implica a existência dos outros indivíduos, sendo o homem não apenas um ser-no-mundo, mas um ser-com-os-outros. Isso para dizer que assim como não existe ser sem mundo, também não existe ser isolado sem os outros. Veja que a referida isolação não refere-se a alguma projeção futura que o homem queira fazer, mas uma condição própria da existência presente na vida humana, pois:

 

Para o filósofo, o homem – existencialmente, ontologicamente – se caracteriza pela convivência, pelo ser-com; o mundo do homem é mundo compartilhado. Ser-homem sempre envolve a presença de outros homens. O ser humano sempre está referido a um contexto familiar, a um ambiente de trabalho, a uma localização (rua, bairro, cidade, etc.), a uma origem (povo, país), ao uso de objetos comuns produzidos por outras pessoas; todas são determinações coletivas que contribuem para o desenvolvimento de nossa própria identidade (nosso nome, por ex., é decidido por outros) (ROEHE, 2014, p. 109-110).

 

            Todavia, deve-se perceber que ao longo da vida humana, a sua projeção no mundo torna-se apenas reflexo da fatualidade de sua existência individual com sigo em com os outros, votando para o plano ôntico. Isso gera no homem uma espécie de existência inautêntica, no qual o indivíduo manipula as coisas para estabelecer reações sociais com os outros homens. Isso trata-se de uma espécie de vertigem, no qual o homem reduz a sua vivência ao nível dos fatos, e a utilização das coisas acaba por transformar-se em si mesmo, ou seja, em características que tornam-se constitutivas do ser. Essa existência inautêntica acaba por se tornar uma existência anônima do ser, na medida que o homem, na vivência dos fatos, busca sanar as suas curiosidades restringindo-se ao novo e ao desconhecido. Isso revela, destarte, que essa existência anônima é um elemento do poder-ser do homem, e que esta se baseia-se no que Heidegger chama de dejeção, ou seja, na queda do home ao plano das coisas do mundo. Nesse sentido, mesmo diversa as projeções dos homens, todas são equivalentes.

            Essa equivalência consiste no fato de que mesmo os homens dedicando-se em seus projetos individuais, a essência ôntica de todos os seres vivos possui o mesmo destino: a morte. Nesse sentido, o homem não é apenas um ser-no-mundo e um ser-com-os-outros, mas também um ser-para-morte. A morte nada mais é do que o fim da existência tanto do indivíduo como para o indivíduo. E sobre isso, nada o homem pode fazer, pois é uma possibilidade certa e imutável da projeção humana, sendo também nulidade da projeção, pois depois dela o homem nada projeta, pois está morto e não existe.  Com isso, Heidegger define que o homem deve aderir e conformar-se com a morte, pois além de inevitável, é parte da própria progressão da existência, isso porquê a inexistência de um ser possibilita a existência de outro em relação a suas possibilidades de projeção no mundo. Em outras palavras, a morte dá vida a aqueles que necessitam, tanto por condições sociais, como físicas.

            Portanto, o “viver para morte” constitui o autêntico sentido da existência, pois nos afasta de estar submerso nos fatos e nas circunstâncias do mundo. Todavia, isso gera no ser angústia, no qual põe o homem diante do nada, contra os seus projetos e sua própria existência, onde

 

[...]a angústia assume em Heidegger um cunho existencial essencialmente humano. Só o homem se angustia, não o animal, bem como apenas o homem existe e tem uma compreensão do ser. (Não se trata) [...] somente de um fenômeno psicológico e ôntico, isto é, que se refere somente a um ente ou a algo dado, e sim sua dimensão é ontológica, pois nos remete à totalidade da existência como ser-no-mundo (WERLE, 2003, p. 104-105).

 

            Por fim, Heidegger afirma que sendo a morte uma realidade inevitável do ser, o homem deve viver de forma autentica, aceitando todas as condições e características próprias de sua existência, com coragem frente a possibilidade do próprio não-ser. A aceitação dessa finitude existencial do homem eleva o homem a existência autêntica. Ao contrário disso, o sentimento de medo e a angústia da morte, leva o indivíduo a existência inautêntica e anônima. Esta, por sua vez, para escapar da angústia, banaliza a angústia no medo. Heidegger conclui que sempre na nossa vida, desenvolvemos medos de acordo com a angustia da morte, pois estas estão estreitamente ligadas, ao passo que nos angustiamos por nada, pois na angústia está presente o nada, com o seu poder de aniquilamento.

REFERÊNCIAS

REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias. 8ª ed. v. 3. São Paulo: Paulus, 2007.

HELFERICH, Christoph. História da Filosofia. Tradução por Luiz Sérgio Repa. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

ROEHE, M. V. DUTRA, E. Dasein, o entendimento de Heidegger sobre o modo de ser humano. vol. 32(1), p. 105-113. Bogotá: Avances en Psicología Latinoamericana, 2014. Disponível em: <dx.doi.org/10.12804/apl32.1.2014.07>. Acesso: 12 de maio de 2020.

WERLE, Marco Aurélio. A Angústia, o Nada e a Morte em Heidegger. vol.26 no.1. p. 97-113. São Paulo: Trans/Form/Ação, 2003. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/trans/v26n1/v26n1a04.pdf>. Acesso: 15 de maio de 2020.

 



[2] Um dos limites encontrados por Heidegger na fenomenologia, que estuda todos os seres apenas como objetos da manifestação de um ente, até mesmo em casos de uma autorreflexão.


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